Principais características do Transtorno de Personalidade Borderline
Pacientes com Transtorno Borderline de Personalidade (TPB) geralmente têm percepções distorcidas de si mesmas e dos outros, levando a dificuldades em manter relacionamentos estáveis e saudáveis. Possuem problemas com empatia e intimidade. Apresentam sensibilidade interpessoal, são emocionalmente instáveis, têm dificuldades para regular suas emoções e se envolvem em comportamentos impulsivos. Os sentimentos crônicos de vazio e o medo do abandono que caracterizam o funcionamento desses indivíduos podem gerar comportamentos desadaptativos, incluindo automutilação e suicídio.
Os sinais iniciais de TPB costumam surgir na adolescência e podem inicialmente ser mascarados pelas características próprias desta etapa normal do desenvolvimento, como por exemplo instabilidade do humor e do comportamento, problemas na identidade e acentuadas mudanças na auto-imagem.

A presença simultânea de outros diagnósticos (comorbidades) é bastante comum. A presença de Transtornos de humor, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, transtorno de estresse pós-traumático, outros transtornos de personalidade e transtornos por uso de substâncias podem complicar o tratamento do TPB.
Atos autolesivos ocorrem entre 70-75% dos casos, sendo que 10% morrem por suicídio.
Os estudos mostram que entre 1% e 6% da população apresenta a condição, sendo mais frequente entre as mulheres. Só no Brasil são aproximadamente 2 milhões de pessoas!
O diagnóstico da personalidade
Atualmente coexistem dois modelos de compreensão das perturbações da personalidade: categórico e dimensional.
O modelo categórico de diagnóstico da personalidade
Conforme o modelo categórico de diagnóstico em saúde mental, os transtornos da personalidade (assim como os demais transtornos mentais) são concebidos como entidades clínicas (quadros clínicos) bem delimitadas que se caracterizam e diferenciam entre si pela presença de determinados sinais e sintomas que produzem sofrimento ou disfunção psicossocial. Neste sentido é categórico: uma pessoa tem ou não tem o transtorno. Esse é o modelo predominante nas classificações psiquiátricas (como CID e DSM, por exemplo).
O modelo dimensional de diagnóstico da personalidade
O modelo dimensional é o adotado pela psicanálise e outras abordagens dinâmicas em psicopatologia. Ele considera que não há uma linha clara entre normalidade e patologia, sendo as diferenças mais quantitativas (o quanto desta ou daquela característica está presente e o grau de disfunção que acarreta) do que qualitativas (simples presença ou ausência da característica).
As classificações contemporâneas têm incorporado perspectivas mais dimensionais de avaliação de psicopatologia. A introdução de um modelo híbrido, categórico e dimensional no DSM 5 reconhece a complexidade do diagnóstico da personalidade e a possibilidade de um indivíduo apresentar características de diferentes transtornos. Neste sentido, o diagnóstico se aproxima mais da observação clínica dos psicoterapeutas de que é comum pacientes TPB apresentarem traços histriônicos, dependentes e/ou narcisistas por exemplo.
Critérios diagnósticos para Transtorno de Personalidade Borderline (modelo categórico)
Conforme o DSM 5 TR, o TPB consiste em um padrão generalizado de (1) instabilidade de relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos, e (2) impulsividade marcante começando no início da idade adulta e presente em uma variedade de contextos, conforme indicado por 5 ou mais dos seguintes critérios:
Esforços frenéticos para evitar abandono real ou imaginário – isso não inclui comportamentos suicida e de autolesão.
Instabilidade nas relações interpessoais – As relações são polarizadas, marcadas pela idealização e desvalorização.
Perturbação da identidade – instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo.
Impulsividade: Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (por exemplo, gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar).
Comportamento suicida: Comportamentos, gestos ou ameaças repetidas de suicídio ou automutilação.
Instabilidade afetiva: Mudanças rápidas de humor, como intensa disforia episódica, irritabilidade, ou ansiedade, que geralmente duram apenas algumas horas e raramente mais do que alguns dias.
Sentimentos crônicos de vazio
Raiva inapropriada: Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la.
Sintomas relacionados ao estresse: Ideação paranoide temporária ou sintomas dissociativos graves desencadeados por estresse.
Critérios diagnósticos para Transtorno de Personalidade Borderline (modelo dimensional)
O modelo alternativo do DSM-5-TR para Transtornos da personalidade inclui as características essenciais que configuram esses transtornos e as características específicas de determinado tipo de transtorno.
Os critérios para o TPB incluem 2 grupos de dificuldades.
1 – Comprometimento moderado ou severo no funcionamento da personalidade manifestado por problemas em pelo menos duas áreas: identidade, autodireção, empatia ou intimidade.
2- Presença de pelo menos 4 dos seguintes traços de personalidade: labilidade emocional, ansiedade, insegurança de separação, depressividade, impulsividade, tomada de risco ou hostilidade. Pelo menos um dos traços deve ser impulsividade, tomada de risco ou hostilidade.
O tratamento do Transtorno Borderline de Personalidade
Historicamente o tratamento para o TPB é considerado difícil. As dificuldades relacionais e a instabilidade emocional desses pacientes interferem na capacidade de estabelecer o relacionamento terapêutico e aderir ao tratamento. Com os esforços de clínicos e pesquisadores em psicoterapia o cenário mudou e o TPB é atualmente efetivamente tratado por um número crescente de tratamentos psicoterapêuticos baseados em evidências.
O tratamento de primeira linha para TPB é a psicoterapia. Embora a maioria dos pacientes seja medicada, não há evidências de que a psicofarmacoterapia seja eficaz para os sintomas principais do transtorno. Pacientes TPB tendem a respostas do tipo placebo e a melhora rápida apresentada aos medicamentos apresentada tende a decair. A psicofarmacoterapia é recomendada apenas para o tratamento de transtornos comórbidos, como depressão ou ansiedade graves, sintomas psicóticos transitórios, agitação grave ou comportamento agressivo. O risco de uso inapropriado ou excessivo dos medicamentos precisa ser avaliado com cuidado.
Pacientes com TPB normalmente não requerem hospitalização. No entanto, o atendimento hospitalar breve pode ser necessário em situações como risco de suicídio, uso abusivo de drogas e psicose transitória.

Psicoterapias eficazes para o Transtorno de Personalidade Borderline
Nas últimas décadas diversas terapias foram adaptadas para TPB, sendo várias delas hoje comprovadamente eficazes, como por exemplo:
Terapia comportamental dialética (DBT) – de base cognitivo-comportamental, a DBT foi a primeira psicoterapia adaptada para o TPB. A abordagem incorporou elementos de aceitação, mindfulness e treinamento em habilidades. Possui o maior volume de estudos e é considerada padrão-ouro para o tratamento do TPB. A DBT formula os problemas do TPB como resultado da interação entre indivíduos nascidos com alta sensibilidade emocional e ambientes (pessoas ou sistemas psicossociais) invalidantes, isto é, que não respondem ajustadamente às suas vulnerabilidades. A terapia visa o desenvolvimento de habilidades para tolerar melhor o sofrimento, regular suas emoções e administrar relacionamentos.
Terapia baseada na mentalização (MBT) – Mentalização é a capacidade que os seres humanos desenvolvem para imaginar estados mentais (como pensamentos, sentimentos, etc.) em sua própria mente e na as outras pessoas para dar sentido o compreender os comportamentos e as interações interpessoais. A MBT integra psicanálise e neurociência cognitiva. Propõe que falhas ambientais precoces favorecem um padrão de apego inseguro que por sua vez afeta negativamente a mentalização. As interações de apego tornam-se hiperativadas, alimentando angústia e dificuldade de enfrentamento. A terapia visa o desenvolvimento e a capacidade de manter a mentalização, desta forma favorecendo a regulação emocional.
Terapia Focada na Transferência (TFP) – A abordagem é adaptada da psicanálise das relações objetais e psicologia do ego. Ela se concentra na relação entre o paciente e o terapeuta, utilizando essa interação para explorar e compreender padrões de comportamento disfuncionais que se originam em relacionamentos passados. A terapia visa a integração das representações de self e de outros e com isso o estabelecimento de relacionamentos mais saudáveis, a regulação emocional e maior estabilidade da identidade.
Terapia de esquema (TE) – A TE tem base cognitivo-comportamental, mas é uma abordagem independente que integra outras abordagens: cognitivo-comportamental psicanálise, teoria do apego e Gestalt-terapia. A TE se baseia na premissa de que os padrões disfuncionais de pensamento, emoção e comportamento disfuncionais (esquemas), desenvolvidos na infância e adolescência, são responsáveis pelas dificuldades interpessoais e de relação emocional dos pacientes TPB. A TE incentiva a identificação e confrontação dos esquemas disfuncionais e um processo descrito como “re-parentalização limitada”, em que o relacionamento com o terapeuta proporciona espaço seguro para suprir carências emocionais do paciente.
Entre outros aspectos, as terapias baseadas em evidências para TPB compartilham as seguintes características: são integrativas do ponto de vista teórico-técnico, possuem foco na relação paciente-terapeuta, no manejo do risco e no desenvolvimento de habilidades psicológicas. Não há evidências da superioridade de resultados de um modelo de terapia sobre outro.
Em resumo:
- Diagnosticar o TPB envolve uma avaliação cuidadosa, considerando tanto os critérios diagnósticos quanto o contexto individual de cada paciente.
- A avaliação de risco é mandatória.
- O tratamento de escolha é psicoterapêutico, podendo ser combinado ou não com medicamentos.
- As abordagens mais eficazes para o TPB foram delineadas especificamente para estes pacientes.
Referências
- American Psychiatric Association.(2023). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (5ª ed., Texto revisado). Artmed.
- Bateman, A. W., & Fonagy, P. (2016). Mentalization-based treatment for personality disorders: A practical guide. Oxford University Press.
- Chapman, J. et al. (2025). Borderline Personality Disorder. [Updated 2024 Apr 20]. In: StatPearls [Internet]. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430883/
- Dornelles, V.G., & Alano, D.S.(2021). Transtorno da Personalidade Borderline: Da Etiologia ao Tratamento. Sinopsys.
- Choi-Kain et al. (2017). What works in the treatment of borderline personality disorder. Current behavioral neuroscience reports, 4, 21-30.
- Crotty, K. et al. (2024). Psychotherapies for the treatment of borderline personality disorder: A systematic review. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 92(5), 275.
Fernanda Barcellos Serralta – Psicóloga CRP 07/06188, psicoterapeuta psicodinâmica e doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS)