Entendendo a Depressão e suas Causas. Duas dimensões psicológicas centrais na depressão

O termo "depressão" é frequentemente usado de forma genérica para se referir a um conjunto de sintomas altamente prevalentes na população e que podem indicar diferentes transtornos mentais e da personalidade como, por exemplo, o transtorno depressivo maior, o transtorno depressivo persistente (distimia) e o transtorno bipolar, o transtorno de personalidade borderline, entre outros.
Depressão e suas Causas

O que é depressão

No âmbito dos sentimentos, a depressão se expressa como tristeza profunda e duradoura, perda de interesse ou prazer em atividades que antes eram prazerosas e, em alguns casos, irritabilidade e mal humor. Em termos cognitivos, a depressão se caracteriza por uma visão negativa de si mesmo e do mundo e por sentimentos e ideias de desesperança, morte, culpa ou inutilidade. Fadiga, falta de energia, alterações no sono e no apetite, dificuldade de concentração e indecisão são comuns. Em casos mais graves, podem ocorrer comportamentos autodestrutivos e suicidas.

Causas da depressão

A depressão é uma condição clínica multifatorial para a qual contribuem fatores biológicos, psicológicos e sociais. No âmbito biológico, destacam-se alterações neuroquímicas no cérebro, como desequilíbrios nos neurotransmissores serotonina, dopamina e noradrenalina, que desempenham papel fundamental na regulação do humor e das emoções. Há fatores hereditários que podem aumentar a predisposição à depressão. Na esfera psicológica, as experiências de vida negativas, especialmente no desenvolvimento da personalidade, são fatores de maior vulnerabilidade. No âmbito social, o isolamento, a falta de apoio, as dificuldades financeiras e eventos estressantes podem desencadear ou agravar o quadro. A interação desses fatores varia entre os indivíduos, o que requer um exame completo, individualizado e abrangente para planejar o tratamento mais adequado em cada caso.  

A raiz psicológica da depressão: a personalidade e seu desenvolvimento

A observação mostra que as formas de expressão da depressão são bastante variadas entre as pessoas com o mesmo diagnóstico. Em um esforço para melhor compreender essa complexidade, o renomado psicólogo e psicanalista Sidney Blatt dedicou-se ao estudo dos estilos de personalidade associados à depressão. Ele identificou dois tipos distintos: o dependente (anaclítico), que apresenta sentimentos de solidão, vazio e desamparo e o autocrítico (introjetivo), cujas características centrais são a preocupação com o senso de si mesmo, baixa autoestima, culpa e autocensura elevadas. Esses estilos foram alvo de numerosos estudos científicos realizados por pesquisadores em psicoterapia, mostrando-se úteis para fornecer diretrizes de tratamentos mais eficazes. 

É principalmente na infância que vamos encontrar os principais fatores que estão na base da vulnerabilidade psicológica para a depressão. O desenvolvimento humano é marcado por momentos de dependência interpessoal e momentos de autoafirmação, que se alternam de forma dialética. Esse conflito entre autonomia versus dependência é central na consolidação da personalidade.

Em situações favoráveis temos um equilíbrio entre as duas forças. No entanto, situações interpessoais conflitivas e eventos traumáticos podem perturbar esse processo de constituição da personalidade, levando ao predomínio de um estilo excessivamente dependente ou autocrítico na expressão. Isso predispõe à depressão e também à outras psicopatologias que geram sofrimento e disfunção.

Depressão e suas Causas

A Depressão Anaclítica: A Dor da Perda e do Abandono

A depressão anaclítica, como o próprio nome sugere, está intrinsecamente ligada às relações interpessoais. Indivíduos com depressão anaclítica dependem da aprovação externa para regular sua autoestima e autoimagem, buscando validação incessante. Por serem hipersensíveis ao outro, tendem à frustração e instabilidade nos relacionamentos. Neste contexto, são profundamente afetados por sentimentos solidão e por temores de perda e abandono. A dor da rejeição e a sensação de não ser amado ou valorizado podem desencadear um mergulho em um estado de vazio ou tristeza profundos e de desesperança.

A Depressão Introjetiva: A Luta Contra a Desvalorização e o Fracasso

Na depressão introjetiva, o foco recai na experiência negativa do self. Indivíduos que sofrem desse tipo de depressão são assombrados por sentimentos de falta de valor, culpa, fracasso e perda de controle. A autocrítica excessiva e a busca incessante por perfeição podem levar a um ciclo de autodesvalorização e sofrimento. Nesse cenário, a pessoa se cobra de forma implacável. A sensação de não ser bom o suficiente e a dificuldade em lidar com as próprias falhas podem desencadear um quadro de depressão introjetiva. A pessoa pode se sentir sobrecarregada pela culpa e pela vergonha, o que a leva a se isolar e a evitar situações em que possa se sentir julgada ou exposta.

Os tipos de depressão e a psicoterapia personalizada

A distinção entre a depressão anaclítica e a depressão introjetiva é de grande relevância não apenas para a compreensão da depressão, mas também para o seu tratamento. Ao reconhecer que a depressão pode se manifestar de formas distintas em pessoas com características pessoais e dinâmicas internas também diferentes, o modelo proposto por Sidney Blatt ajuda os profissionais a planejar um tratamento personalizado, ajustado às dinâmicas internas do paciente e, portanto, mais efetivo.

Na depressão anaclítica, a abordagem focada nas relações interpessoais é essencial.  O objetivo da psicoterapia é auxiliar o paciente a se libertar da dependência do outro, a construir um senso de self forte e autônomo, capaz de se sustentar em seus próprios recursos internos. Com a exploração dos aspectos inconscientes envolvidos nos relacionamentos atuais e das experiências de perda e rejeição que marcaram a história do indivíduo e estão associadas ao sentimento de vazio, aliada às estratégias para manter e ampliar as capacidades reflexivas (mentalização), o paciente irá desenvolver a capacidade de se relacionar com os demais de forma mais saudável e autônoma. A exploração do relacionamento terapêutico é essencial nesse percurso. O terapeuta oferece um ambiente seguro e acolhedor para que o paciente possa reviver e ressignificar experiências de perda.

Na depressão introjetiva, o algoz reside no interior do indivíduo. A mente da pessoa se torna um campo de batalha, onde a autocrítica, a culpa e a vergonha travam uma guerra incessante contra a autoestima e o amor-próprio. O “inimigo” é interno: o superego, uma parte inconsciente do eu que regula o comportamento e a autoestima. O objetivo da psicoterapia com esses pacientes é ajudá-los a integrar as partes boas e más do self, reconhecendo e aceitando as próprias imperfeições sem se deixar dominar pela culpa e pela vergonha. A análise busca identificar e compreender as origens do superego crítico e punitivo, investigando as figuras parentais internalizadas e as mensagens de desvalorização e crítica (reais e/ou fantasiadas) que foram introjetadas ao longo da vida. O terapeuta com sua neutralidade e postura não crítica oferece um ambiente distinto da experiência passada, permitindo novas identificações e favorecendo uma maior flexibilidade psicológica e avaliação realista de si. 

Em ambos os tipos de depressão, a psicoterapia psicodinâmica promove autoconhecimento e transformação.  Por meio da observação, exploração e análise do próprio discurso e associações, no contexto de um relacionamento terapêutico não diretivo, acolhedor, não crítico e pautado na aceitação incondicional da pessoa e sua experiência individual, o paciente é convidado a mergulhar em seu inconsciente, a desvendar os padrões de afetos, pensamentos, comportamentos e relacionamentos que sustentam a depressão. As estratégias de mentalização, que complementam a exploração do inconsciente, ajudam o paciente a regular suas emoções, por exemplo convidando-o a explorar o significado do comportamento de outros quando está excessivamente centrado em si mesmo, ou focalizando a experiência emocional quando ele se mostra demasiadamente racional. Desse modo, a experiência subjetiva é balanceada, favorecendo a integração dos diferentes aspectos que a compõe. 

Palavras da especialista

A depressão se manifesta de diversas formas e intensidades. É crucial distinguir a tristeza passageira, uma reação natural a eventos negativos, da depressão como condição clínica, que envolve sofrimento e disfunção duradouros, exigindo diagnóstico e tratamento especializados.

A distinção entre os tipos introjetivo e anaclítico de depressão, embora útil para a compreensão das nuances do transtorno, não é tarefa simples. O diagnóstico da depressão, e especialmente a identificação do tipo predominante, requer uma avaliação profissional abrangente, que considere a história de vida do paciente, seus padrões de relacionamento, suas características de personalidade e a análise dos sintomas apresentados.

A depressão introjetiva, caracterizada pela culpa, autocrítica e busca por aprovação externa, pode estar associada a um histórico de figuras parentais críticas e exigentes. Já a depressão anaclítica, marcada pela sensação de vazio, dependência e medo do abandono, pode ter raízes em experiências de negligência ou perda na infância. No entanto, é comum que um indivíduo apresente características de ambos os tipos, o que reforça a necessidade de uma avaliação individualizada.

O tratamento da depressão, seja ela introjetiva, anaclítica ou mista, pode envolver diferentes abordagens terapêuticas. A terapia psicodinâmica é eficaz para o tratamento da depressão. Ela visa auxiliar o paciente a compreender as origens do seu sofrimento, a desenvolver recursos emocionais para lidar com os desafios da vida e a construir relacionamentos mais saudáveis. Em alguns casos, o uso de medicamentos antidepressivos pode ser recomendado para complementar a terapia e aliviar os sintomas mais intensos.

É fundamental ressaltar que a depressão é um transtorno tratável e que buscar ajuda profissional é o primeiro passo para a recuperação. Se você se identifica com os sintomas descritos neste artigo, não hesite em procurar um psicólogo ou psiquiatra. O tratamento adequado pode proporcionar alívio dos sintomas, melhora na qualidade de vida e a oportunidade de ressignificar experiências dolorosas.

Referências

American Psychiatric Association (2023). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Artmed.

Blatt, S. J. (2004). Contributions to the psychoanalytic theory of depression. Routledge.

Blatt, S. J., & Levy, K. N. (2003). Attachment theory, psychoanalysis, personality development, and psychopathology. Psychoanalytic Inquiry, 23(1), 102-150.

Blatt, S. J., & Zuroff, D. C. (1992). Interpersonal factors in the etiology of depression. In The depressed child (pp. 523-550). Springer, Boston, MA.

Dagnino, P., & de la Parra, G. (2022). Personality functioning: An opportunity for treatment personalization. Journal of Mental Health Disorders, 2(1), 1-5.

Compartilhe esse artigo:

Fernanda Barcellos Serralta

CRP 07/06188 | RS

Biografia

Sou psicoterapeuta psicodinâmica de adultos e adolescentes há 30 anos. Tenho ampla experiência no atendimento de problemas emocionais e de relacionamento, tanto em psicoterapia breve como de longo prazo. Realizei formação em psicoterapia psicanalítica no Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia (IEPP-RS). Sou Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), e Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS). Há decadas, além da prática clínica, atuo também como professora e pesquisadora em psicoterapia. Fui uma das pioneiras no estudo da psicoterapia on-line no Brasil. Como terapeuta, minha prática é ajustada a cada paciente, sustentanda em evidências científicas e culturalmente sensível.

Palestras

Agende uma palestra online ou presencial com a especialista Fernanda Barcellos Serralta